Um Jantar Esquecível


Salmon canape
Originally uploaded by PaulaVB
Não estou nem aí, comi todo o salmão aperitivo mesmo! Parece até que eu tenho passado fome nos últimos tempos, tamanha a minha voracidade. Mas isso tem explicação. Primeiro me sinto um fantasma que vaga pelos cantos e só existe na forma de usurpação do que é deles. Então que seja, estou aqui apenas para sorrateiramente devorar o salmão aperitivo. Segundo, preciso garantir meu jantar de hoje pois sei que o que vem depois do salmão aperitivo não vai ser bom. Aonde já se viu despejar o funghi seco no creme de leite, esquentar um pouco e chamar isso de molho de macarrão? Tô fora. Não quero nem estar por perto e ser cúmplice de um crime gastronômico de tal magnitude. Vou acabar com esse salmão aperitivo e encher a cara de vinho branco seco, levemente frutado, um tanto floral no nariz, bem gostoso. Pensei que acabaria de fogo na cama bem na hora do jantar, mas ainda estou de pé. Acabaram de me oferecer peixe grelhado como opção, é vou ficar e comer mais um pouco de peixe. Que overdose de peixe vai ser, por essa eu não esperava. Daqui a pouco fico de quatro, saio miando e me esfregando nas paredes como fazia na infância para disputar, com o gato, a atenção da minha mãe. Estou pegando fogo, a cara vermelha, levemente envergonhada, será que estão percebendo? O efeito anestésico está crescendo, a vergonha passando. Mesmo daqui de fora da cozinha consigo ouvir as instruções para o tal "molho". O fone de ouvido do computador não está funcionando. Mas vou ficar, não quero sair de perto da garrafa de vinho e do salmão aperitivo. Agora só da garrafa de vinho. Ainda sobrou torradinha com creamcheese. Agora realmente só a garrafa de vinho. Tá na mesa, vou encher o copo e encarar. Me sinto numa mesa de operação, pode cortar que a anestesia já fez efeito. Ouço: Que delícia esse macarrão! Mas não sinto nada. Pode vir com o serrote. Minha cabeça é um vacuo, as palavras passam e não fazem sentido, nada é registrado na memória, estou trauma free, não há neurônios disponíveis para pensar no passado e nem disposição suficiente para imaginar o futuro. Mal penso, mal existo. Mas consigo perceber que estou com um sorriso na cara, não sei porque, estou feliz? É felicidade a sensação de estar satisfeita por não estar realmente viva naquele momento? Traço a salada e depois o peixe. Alguma fruta de sobremesa. Ainda bem que acabou e que praticamente não lembro de nada além do salmão aperitivo!

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