Consegui um estágio na cozinha do hotel Lausanne Palace, na Suíça, graças a uma amiga da minha mãe. Foi uma experiência maravilhosa, mas também difícil. Cheguei lá apenas sabendo falar o básico de francês, crente que num hotel 5 estrelas muita gente falaria inglês. Que nada, quase ninguém... Me sentia um pouco desenturmada até que descobri um americano, estagiário de garçom, tão perdido quanto eu. Não tive dúvidas, me aproximei e fizemos amizade. Sentávamos juntos nas refeições, saíamos e nos ajudávamos sempre que possível no trabalho. Achava estranho o fato do americano não fazer faculdade de hotelaria, não trabalhar na área e nem pretender trabalhar. O que será que ele fazia naquele lugar como aprendiz de garçom??? Eu tinha muita curiosidade, mas tentava ser discreta e não fazia muitas perguntas pessoais.
Um dia eu voltei do trabalho lá pela meia noite e descobri que meu roommate, Giovanni, saiu e me deixou pra fora sem a chave de casa. Isso foi no oitavo dia desde que eu chegara e eu estava a beira de um colapso nervoso de tanto cansaço, pois estava trabalhando sem folga umas 13 horas por dia desde a manhã seguinte do meu vôo, com jet leg e tudo. Fui para o bar que todos freqüentavam para tentar achar alguma ajuda e o americano, Dan, estava lá. Ele fez o que pôde e depois de muito tempo consegui falar com o Giovanni e entrar em casa. Mas o importante não é isso, e sim que no meio disso tudo o Dan rasgou um pedaço de papel que carregava para que eu pudesse anotar alguns números de telefone, inclusive o dele. O verso tinha coisas escritas, mas nem reparei, depois anotei os telefones na agenda do celular, guardei esse papel e esqueci dele completamente.
Passou um bom tempo e tudo parecia normal, Dan falara que arrumou o estágio para aprender francês, eu achava curioso, mas também razoavelmente plausível. Tá certo que o resto da equipe desconfiava um pouco dele, mas pareciam desconfiar um pouco de mim também, talvez só porque não cursávamos hotelaria na cidade e vivíamos falando em inglês um com o outro, imaginei.
Até que um dia o Dan se enrolou para contar uma estória, estava mentindo, sem sombra de dúvida. Porém, logo no dia seguinte, ele percebeu que eu desconfiei e falou que me contaria a verdade. Ele me disse que na noite anterior não havia saído com a namorada holandesa que estava na cidade para visitá-lo como tinha contado, mas com seu tio... que era o presidente do The Leading Hotels of The World, do qual o Lausanne Palace fazia parte, e por isso pôde arrumar aquele estágio para ele. Ele mantinha segredo porque achava chato ser diferente, protegido, queria ser tratado como um estagiário qualquer, ou seja, maltratado. Tudo bem, cada um na sua, de repente o cara é masoquista... deixei quieto, mas ainda me perguntava o que o americano realmente fazia naquele hotel, em pleno inverno, numa pequena cidade suíça, trabalhando 12 horas por dia, quase de graça e levando bronca de francês estúpido? Será que não seria mais fácil ter aulas de francês?
Já de volta ao Brasil, remexi nos papéis guardados, achei o que ele me dera e olhei o verso. Lá tinham frases cortadas de um relatório de visita a um restaurante, com descrições detalhadas do ambiente, de como a pessoa foi atendida e do que comeu. Eu tirei minhas conclusões: Dan era um espião americano a serviço do seu tio para lhe relatar como estava o hotel, o atendimento, a comida e o desempenho das equipes de trabalho. Para corroborar minha tese, algum tempo depois soube que foram feitas várias mudanças no hotel e que algumas pessoas foram despedidas... Ainda bem que fui discreta... só contava uma ou outra estória engraçada... ih, será que entreguei alguém?